Acórdão: Agravo de Instrumento n. 2005.025017-4, de Gaspar.
Relator: Des. Ricardo Fontes.
Data da decisão: 19 de janeiro de 2006.
Publicação: DJSC n. 11.842, edição de 10.02.06, p. 27/28.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSO DE EXECUÇÃO – CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL – ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 4º E 5º, AMBOS DA LEI N. 1.060/50 – REQUISITOS PREENCHIDOS – PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE POBREZA – CONCESSÃO ADSTRITA AO RECURSO – IMÓVEL OFERECIDO POR CASAL EM GARANTIA HIPOTECÁRIA – FALECIMENTO DO CÔNJUGE VARÃO PRECEDENTE AO INGRESSO DA AÇÃO – TRANSMISSÃO AUTOMÁTICA DE PARCELA DO SEU PATRIMÔNIO AOS FILHOS – INCIDÊNCIA DO ART. 1.572 DO CC/16 – INTERESSE DE INCAPAZ CONFIGURADO – APLICAÇÃO DO ART. 82, I, DO CPC – NECESSÁRIA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – AUSÊNCIA NA ESPÉCIE – EMPREGO DOS ARTS. 84 E 246 DO CPC – OBRIGATÓRIA DECRETAÇÃO DE NULIDADE DO FEITO A PARTIR DO MOMENTO EM QUE O PARQUET DEVERIA TER SIDO INTIMADO.
“Nos termos do art. 4º, § 1º, da Lei n. 1.060/50, a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação da condição de pobreza, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio e de sua família.” (AI n. 2002.000574-6, de Santo Amaro da Imperatriz, Rel. Des. Jorge Schaefer Martins, DJ de 02.09.02).
Morta a pessoa natural, há, automaticamente, a abertura da sucessão e a transmissão da propriedade de seus bens aos herdeiros (art. 1.572 do CC/1916 e art. 1.784 do CC), pelo que processo de execução que tenha por objeto aqueles, movido apenas contra seu consorte, quando existentes filhos incapazes do casal e sem a intervenção do Ministério Público, deve ser anulado, de ofício, desde o momento em que este deveria ter sido intimado, à vista do evidente prejuízo que eventual alienação judicial poderá acarretar, situação protegida pelo interesse público, a teor do que dispõem os arts. 82, I, 84 e 246, todos do CPC.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2005.025017-4, da Comarca de Gaspar (2ª Vara), em que são agravantes Polomalhas Indústria e Comércio de Confecções Ltda. e outro, sendo agravado Banco do Brasil S/A:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, conceder a assistência judiciária gratuita, adstrita ao agravo, e decretar, de ofício, a nulidade do processo a partir do momento em que o Representante do Ministério Público deveria ter sido intimado para manifestação.
Custas de lei.
I RELATÓRIO
Polomalhas Indústria e Comércio de Confecções Ltda. e Terezinha Paulo de Oliveira interpuseram recurso de agravo de instrumento, por meio do qual objetivam a reforma da decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Gaspar que, nos autos da ação de execução n. 025.96.000049-0, indeferiu o pedido de desconstituição de penhora e de participação do Ministério Público no feito.
Alegam os agravantes, em síntese, que: (a) a empresa não poderia oferecer em hipoteca bem que não lhe pertence; (b) o imóvel constitui bem de família; (c) é imprópria a hipoteca da totalidade do bem, uma vez que o instrumento não foi firmado por Terezinha Paulo de Oliveira, a qual cabe o direito à reserva da meação; (d) deve ser cancelado o reforço de penhora realizado sobre a moradia, porquanto a hipoteca abrange somente o terreno; e (e) devem ser protegidos os interesses dos filhos da agravante.
Não houve pedido de concessão de efeito suspensivo.
Intimado, o agravado não apresentou contraminuta.
É o breve relatório.
II VOTO
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto em razão do indeferimento, nos autos de processo executivo, de pedido que visava à desconstituição de penhora sobre imóvel de propriedade da agravante pessoa física, bem como a participação do Ministério Público no feito.
(A) Pedido de concessão de assistência judiciária gratuita
Em que pese a ausência de manifestação do Magistrado acerca da assistência judiciária gratuita em primeiro grau de jurisdição, a análise dos pressupostos do benefício pode ser efetuada nesta instância, restringindo-se a decisão apenas a este recurso.
Ab initio, é entendimento cediço desta Corte que a declaração de pobreza, realizada pela pretendente (fl. 11) nos termos do art. 4º da Lei 1.060/50, é bastante a obrigar o Juiz ao deferimento do pedido:
“A declaração unilateral de pobreza é meio de prova a que o próprio legislador acabou por conferir cunho de veracidade, inobstante ilidível pela parte contrária ou mesmo pelo órgão do Ministério Público. Por isso mesmo, para que a parte obtenha o benefício da assistência judiciária, basta a simples afirmação de sua pobreza, até prova em contrário. Inteligência do art. 4º, da Lei n. 1.060/1950.” (AI n. 2002.000897-7, de Itapiranga, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, DJ de 27.10.03). [grifou-se].
Ainda:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – DESPACHO NEGANDO PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 5º, LXXIV, DA CF, 4º E 5º DA LEI N. 1.060/50 – REQUISITOS PREENCHIDOS – CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA DO AGRAVANTE – AUSÊNCIA DE PROVAS CONTRÁRIAS – PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE POBREZA – POSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO.
Nos termos do art. 4º, § 1º, da Lei n. 1.060/50, a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação da condição de pobreza, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio e de sua família.” (AI n. 2002.000574-6, de Santo Amaro da Imperatriz, Rel. Des. Jorge Schaefer Martins, DJ de 02.09.02). [grifou-se].
Há, mediante a referida declaração, geralmente juntada aos autos, verdadeira presunção de pobreza, em conformidade com o art. 4º, § único, e art. 5º, caput, ambos da Lei n. 1.060/50.
Dispõe este último dispositivo:
“O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento, dentro do prazo de 72 (setenta e duas) horas.”
Não procede, desta feita, eventual alegação de que, inexistente prova da impossibilidade da agravante residir em juízo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família, o benefício não poderia ser atendido, já que se mostra bastante, nos termos da lei que estabelece normas para a concessão da assistência judiciária aos necessitados (Lei n. 1.060/50), a afirmação, nos autos, do estado de insuficiência de recursos.
Concede-se, pois, a assistência judiciária gratuita pleiteada, adstrita apenas a este recurso, conhecido independente de preparo.
Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, examina-se a quaestio.
B) Pedido de intimação do Ministério Público dos atos do processo, fundamentado em interesse de incapaz
Os agravantes requereram ao MM. Juiz de Direito a remessa dos autos ao Representante do Ministério Público, porquanto acreditam haver, na presente situação, interesse de incapaz que justifique tal medida.
No entanto, a pretensão restou indeferida pelo despacho recorrido, uma vez que não se vislumbrou a incidência do art. 82, I, do CPC.
Reza o dispositivo em comento:
“Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:
I - Nas causas em que há interesses de incapazes.”
Pois bem. A lide gira em torno da possibilidade de penhora de propriedade imobiliária com 430,81 m² (quatrocentos e trinta vírgula oitenta e um metros quadrados) de área, registrada sob o n. R-1-12932 no Cartório de Registro de Imóveis de Gaspar/SC, dada em garantia hipotecária de cédula de crédito industrial – firmada entre Polomalhas Indústria e Comércio de Confecções Ltda. e Banco do Brasil S/A – por Paulo de Oliveira e Terezinha Paulo de Oliveira, ambos sócios-gerentes da empresa à época da pactuação e casados sob o regime de comunhão parcial de bens. É o que comprova o instrumento de fls. 28/32 e a certidão de fl. 128.
Alegaram as agravantes (Polomalhas Indústria e Comércio de Confecções Ltda. e Terezinha Paulo de Oliveira) que, especialmente em decorrência do óbito de Paulo de Oliveira, devidamente atestado à fl. 20, subsistem interesses dos 3 (três) filhos do casal neste processo de execução, situação que reclama a partição do Ministério Público no feito.
À época do falecimento, bem como do ajuizamento da execução, ante a análise dos documentos de fls. 17/19, todos os filhos do casal enquadravam-se na categoria de absolutamente incapazes.
No momento da prolação da interlocutória recorrida, apenas um assim ajustava-se; os demais já tinham atingido a maioridade civil.
É adequado o entendimento de que não ocorre a necessária intervenção do Ministério Público em toda e qualquer ação judicial que envolva diminuição patrimonial de pais de família, mas, na espécie, há uma particularidade especial: a morte do pai.
Destarte, a propriedade em questão não mais pertence única e exclusivamente ao casal garante da cédula executada, porquanto, com o falecimento do cônjuge varão, ocorrido em data de 05.11.95 (portanto, antes do ajuizamento da execução, efetivado em 01.11.96 – fl. 22), automaticamente assiste aos filhos o direito a parcela do patrimônio deste último.
Isso porque, assim que aberta a sucessão, ocorrida no exato instante da morte, transmite-se a herança do de cujus aos herdeiros, sejam legítimos ou testamentários (art. 1.572 do CC/16 e art. 1.784 do CC).
Neste sentido, a doutrina:
“A sucessão de que trata este artigo é a mortis causa. Com o falecimento do indivíduo, abre-se-lhe a sucessão. O patrimônio do de cujus, com o nome de herança, passa aos seus sucessores. (...) Se há um só herdeiro, este tem o domínio e a posse exclusivos, de tudo; se há mais de um, estabelece-se o condomínio e a composse. (...) A morte, a abertura da sucessão e a transmissão da herança aos herdeiros ocorrem num só momento. Os herdeiros, por essa previsão legal, tornam-se donos da herança ainda que não saibam que o autor da sucessão morreu, ou que a herança lhes foi transmitida.” (FIUZA, Ricardo. Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 1.596/1598).
Ainda:
“A sucessão causa mortis se abre com a morte do autor da herança. No momento exato do falecimento, a herança se transmite aos herdeiros legítimos e testamentários do de cujus, quer estes tenham ou não ciência daquela circunstância.” (RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. 7 v. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 10).
Por fim:
“Por nosso direito, com a morte, abertura da sucessão, o patrimônio hereditário transmite-se imediatamente aos herdeiros e testamentários (art. 1.784; antigo, art. 1.572). Trata-se da adoção do sistema da saisine, de origem germânica. O princípio da saisine representa uma apreensão possessória autorizada. É uma faculdade de entrar na posse dos bens, posse essa atribuída a quem ainda não a tinha.” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 3. ed. v. VII. São Paulo: Atlas, 2003. p. 28).
Deste Tribunal:
“‘No instante da morte do de cujus abre-se a sucessão, transmitindo-se, sem solução de continuidade, a propriedade e a posse dos bens do falecido aos seus herdeiros sucessíveis, legítimos ou testamentários, que estejam vivos naquele momento, independentemente de qualquer ato’ (Maria Helena Diniz).” (AI n. 1997.004400-3, de Palhoça, Rel. Des. Eder Graf, DJ de 23.09.97).
Dessarte, não merece prosperar a fundamentação exarada pelo Magistrado no sentido de que apenas o patrimônio da mãe dos incapazes sofrerá redução caso seja alienada a propriedade hipotecada, uma vez que, no instante do falecimento do pai, estes também herdaram parte do imóvel.
Mutatis mutandis:
“A intervenção do MP no processo é obrigatória quando houver interesse de relativamente ou absolutamente incapaz (CC 3º e 4º; CC/1916 5º e 6º) (RT 503/87), tanto no pólo ativo quanto no passivo da relação processual (RSTJ 18/507). Não há necessidade de que o incapaz seja parte, bastando para legitimar a intervenção do MP que no processo haja interesse de incapaz, como, por exemplo, no caso de ação em que o espólio seja parte e haja incapaz como herdeiro. A intervenção se dá mesmo que o incapaz tenha representante legal.” (NERY JUNIOR, Nelson. e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 461). [grifou-se].
Desta feita, em que pese não se tratar de inventário, e sim de processo de execução, há herdeiro incapaz do imóvel sobre o qual se discute, em especial, a possibilidade de constrição judicial com vista a futura alienação, a qual, se levada a efeito, acarretará, necessariamente, na diminuição de seu patrimônio.
É por esta razão que existe, na espécie, interesse de incapaz e, portanto, legitimidade do Representante do Parquet para intervir no feito, principalmente como custos legis, assim como é evidente e presumida a possibilidade da ocorrência de prejuízo.
Este tipo de intervenção é obrigatório, porquanto imposto por lei com base no interesse público à proteção dos direitos dos incapazes, razão pela qual sua falta, quando presente a situação prevista no art. 82, I, do CPC, gera nulidade de todos os atos sobre os quais deveria o Ministério Público ser intimado, consoante dispõe o art. 84 c/c o art. 246, ambos do CPC:
“Art. 84. Quando a lei considerar obrigatória a intervenção do Ministério Público, a parte promover-lhe-á a intimação sob pena de nulidade.”
“Art. 246. É nulo o processo, quando o Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir.
Parágrafo único. Se o processo tiver corrido, sem conhecimento do Ministério Público, o juiz o anulará a partir do momento em que o órgão devia ter sido intimado.” [grifou-se].
A propósito:
“A falta de intervenção do MP, nas hipóteses legais, acarreta nulidade insanável (RTJ 72/267; RJTJSP 99/324; Lex-JTA 97/150; RT 630/173, 598/216, 593/235, 586/142 e 208, 581/131, 564/112, 496/92).” (NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit. p. 85).
Deste Tribunal:
“Consoante os arts. 82, I e 242 do Código de Processo Civil, a não intervenção do Ministério Público nas ações envolvendo interesses de incapazes gera nulidade absoluta e justifica a ação rescisória quando o processo viciado já houver transitado em julgado.” (AR n. 2001.003166-9, de Caçador, Rel.ª Des.ª Salete Silva Sommariva, DJ de 13.09.05).
“Ausente a intimação do Ministério Público quando evidenciado tanto o interesse quanto o prejuízo de menores na causa, em contrariedade ao artigo 82, inciso I, do Código de Ritos, é nulo o feito a partir do momento em que o órgão ministerial devia ter sido intimado, a teor do artigo 246, parágrafo único, do Código de Processo Civil.” (AR n. 2001.010057-6, de Joinville, Rel. Des. Fernando Carioni, DJ de 15.06.05).
“É nulo o processo, quando o Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir (art. 246 do CPC).” (Ap. Cív. n. 2004.011424-9, de Araranguá, Rel. Des. Mazoni Ferreira, DJ de 25.11.04).
“‘Processo Civil. Artigos 82, I, 83, I e 246 do CPC. Incapaz. Intervenção do Ministério Público. Indispensabilidade. A intervenção do M.P. é indispensável nos feitos que cuidem de interesse de incapaz. Tal intervenção torna-se obrigatória, a partir do momento previsto no inciso I do artigo 83 da lei adjetiva. Ação julgada parcialmente procedente.’ (RSTJ N. 10/17).” (Ap. Cív. 1998.002662-8, de Blumenau, Rel. Des. Newton Trisotto, DJ de 22.09.99).
“(...) Havendo interesse de incapazes, torna-se obrigatória a intervenção do Ministério Público, sob pena de nulidade. (...).” (AI n. 6.580, de Taió, Rel. Des. Eder Graf, DJ de 17.03.92).
Dada a necessidade de decretação de nulidade do processo desde o momento em que o Ministério Público deveria atuar, tornam-se prejudicados todos os demais argumentos levantados pelos agravantes (oferecimento de bem em hipoteca por não proprietário, incidência de constrição sobre bem de família, impropriedade da hipoteca da totalidade do imóvel em questão e cancelamento de reforço de penhora).
III DECISÃO
Por esses fundamentos, concede-se a assistência judiciária gratuita, adstrita ao agravo, e decreta-se, de ofício, a nulidade do processo a partir do momento em que o Representante do Ministério Público deveria ter sido intimado para manifestação.
Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Salim Schead dos Santos.
Florianópolis, 19 de janeiro de 2006.
SALETE SILVA SOMMARIVA
Presidente com voto
RICARDO FONTES
Relator
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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